Essa semana fiz uma
experiência meio maluca com o meu sentido da visão. Queria saber a sensação de não
ver. Ou pelo menos de ver bem pouco, quase nada. Entender melhor como é
o mundo para as pessoas que são imunes ao extremo apelo visual desses nossos
tempos.
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Pode parecer extravagante,
mas não estou inventando. Estou mesmo com problemas nos olhos há alguns meses.
São cataratas. É como um véu espesso encobrindo o mundo a minha volta. Uma
experiência muito estranha e perturbadora pra mim.
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Primeiro, comecei a andar
de olhos fechados dentro de casa. Dia seguinte acordei e coloquei uma bandana nos olhos,
como uma venda, e já me levantei tateando bem devagar. Consegui tomar banho, me vestir, depois comi umas frutas, tomei um copo
de suco e sentei no escritório. Liguei o computador e tentei escrever alguma coisa.
Foi tudo mais lento do que nunca, mas sem muitos problemas. Não tropecei nem me
machuquei porque conheço onde estão todas as coisas de que precisava. É a minha
casa. E no escritório, eu sabia que o computador ia abrir no programa de texto,
nenhuma novidade. E também que os meus dedos tem a memória do teclado, então...
quer dizer, quero uma coisa mais desafiante.
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Abre um parêntese. Pra explicar
melhor, não estou cega. Eu vejo a luz, as sombras, os contornos, o geral.
Mas tudo está envolto em um véu, como uma neblina forte. Pra ver os detalhes preciso
chegar bem perto das coisas ou pessoas. Pra usar o computador ou o celular,
fico com o rosto colado na tela. O que é cansativo pra caramba. Fecha o
parêntese.
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Tive certeza que precisava
sair, comprar alguma coisa pro fim de semana. Estou sem os dois óculos, o original e o dublê, que
quebraram as hastes, e não vou fazer outro agora, tão perto da cirurgia. Então
peguei um táxi e fui na super padaria assim mesmo. E do jeito que eu estou, tudo
fica muito engraçado. Porque quase entro na vitrine pra ver as coisas, as
pessoas estranham, não sabem se sou meio cega ou somente metida a
engraçadinha... rs
Tateei, procurei e foi
então que me lembrei de minha avó, que dizia “a gente não vê só com os olhos,
menina”... isso é a maior verdade... então fui atrás do que eu queria: o queijo
pro sanduba, o queijo pra ralar, as frutas não tão maduras pra comer no meio da
semana, pão de queijo, o leite integral, que tem a caixinha igual, só que de
outra cor. Fui pelo tato e pelo cheiro, algumas coisas pelo paladar. Enchi a
cesta, depois a coloquei um pouco no chão pra receber o pão fresquinho no balcão,
peguei a cesta de volta e segui pro caixa. Paguei e vim pra casa.
E quando cheguei foi que
eu vi. Não eram as minhas compras! Acho que troquei as cestas no balcão, com a
minha visão de toupeira... rsrs. Nas sacolas que eu trouxe tinha pernil assado
(eca!), os legumes que já tinha em casa e por isso não comprei, iogurte
desnatado, pães, alguns patês com bastante maionese, essas coisas que nunca compro
porque não uso, mas as pessoas carnívoras gostam muito...
Confesso que não aproveitei
nada, só o pão, mas fiquei sem vontade de voltar na padaria e assim deixei tudo
como estava. O melhor a fazer era aguardar a chegada de alguém que goste
daquilo tudo para fazer uma doação. Ou que me acompanhe de volta à padaria para trocar
os produtos.
Quer dizer, achei que não
adiantou de nada tanto esforço.
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Mas acho que adiantou sim.
Me fez sentir um desconcerto emocional enorme, sim, mas também me mostrou o quanto esse excesso de informações que me chega todo dia é quase
como a deficiência visual. Olho tanta coisa e no fim não vejo quase nada. Foi
incrível perceber isso.
Quando eu era criança, a
minha avó (sempre ela) de vez em quando fazia algumas coisas corriqueiras com
as crianças, mas de uma maneira diferente. Por exemplo: dormir um dia no
banheiro. Ou almoçar embaixo da mesa. Então a visão diária que a gente tinha das coisas, mudava
completamente. A gente não só via as coisas de outro ângulo, como também se
abria para as coisas minúsculas, como um buraquinho de formigas que existia na
quina da banheira, por exemplo, e que me encantou.
Acho que estava mesmo
precisando disso...