O dia
10 de junho é dedicado a João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, que esse ano faz
85 anos da mais de pura genialidade, o artista que eu mais amo e admiro em toda
a música brasileira.
Pixinguinha
chega perto, mas ele é rei, de coroa e tudo...
**
Quando ainda morava no
Recife, eu e Ivan tínhamos o sonho de fazer um show com ele num ótimo teatro,
com todos os cuidados de silêncio e som a que ele tinha direito. O empresário
era nosso amigo, e deu carta branca, depois de discutirmos detalhes das apresentações.
Só faltava o João topar.
E foram se passando
semanas, meses, e a gente ficando na aflição,
porque precisávamos da antecedência pra reservar pauta no
teatro, preparar mídia de divulgação e outras necessidades de
produção. Foi por isso que pegamos o telefone da casa dele, para tentarmos
alguma coisa pessoalmente.
Foi Ivan quem ligou,
bem tarde da noite, como nos aconselhou o empresário, uma vez que ele sofre de
insônia.
- Alô, é o João? Aqui
é o Ivan, estou falando do Recife, a pedido de fulano (empresário). Queria
conversar com você sobre uma apresentação aqui na cidade... Você tem muitos fãs
aqui e todos estão ansiosos pra lhe ver ao vivo...
- Ah, Recife, que
cidade maravilhosa! Tenho alguns amigos aí, faz tempo que não os vejo... você
conhece sicrano? Ele morava no bairro tal, o pai dele tinha uma padaria e se
chamava beltrano...
E assim a conversa foi
se prolongando até tarde, segundo Ivan uma conversa deliciosa, parecia que eram
velhos conhecidos os dois, um de libra e um de gêmeos, dois signos de ar.
Todo dia Ivan ligava,
ou ele ligava lá pra casa, sempre depois da meia noite, e o papo rolava, sobre música,
sobre grandes cantores, sobre lutas de boxe, sobre astrologia (!!)... Mas nada
sobre confirmar a data da apresentação no Recife.
Até que Ivan foi direto:
- João, a gente
precisa confirmar o show. Vamos fazer?
- Ah, Ivanzinho, não
vai dar... Sabe por que? Não gosto de andar de avião...
E foi assim que NUNCA
produzimos nosso artista predileto. Ele e Ivan ainda se falaram ao telefone
depois disso, mas as conversas foram rareando até acabar.
**
Assistimos
cinco shows de João ao longo dos anos, eu e Ivan, emocionados e em silencio,
para não perder nada daquele violão preciso e exato e do canto personalíssimo,
quase sussurrante, como se cantasse só pro nosso prazer. As músicas do
repertorio eram quase sempre as mesmas, mas ele tem a capacidade de reinventa-las a cada vez que
canta e elas se transformam em inéditas. Quem mais consegue fazer isso?
**
Uma vez me ofereci pra
ajudar na produção local de um show dele em Brasília, sem remuneração, só pra
poder vê-lo de perto. Ivan já estava doente e o show não era nosso, mas os
produtores eram amigos e concordaram... Assim, posso garantir: aquelas coisas
excêntricas de ar condicionado desligado ou silencio absoluto na plateia senão
ele vai embora é invenção pura... A única exigência que ele fez foram
microfones austríacos de uma determinada marca, pra voz e violão... O que é
mais do que natural: são microfones excepcionais para um artista genial e
perfeccionista, que se apresenta sozinho no palco... Pra mim isso é
profissionalismo e respeito ao público...
Pra quem o viu de perto, João Gilberto é um senhor simples e carinhoso, que prefere ficar quieto no camarim, mas que trata as pessoas sempre no diminutivo (como Vinicius) e tem muita atenção com os trabalhadores invisíveis de uma produção. E isso é raro e admirável.
O pessoal do backstage ficou fã.
E a plateia fez silencio absoluto o show inteiro, naturalmente...
***
Parabéns João, que você
viva ainda muitos anos!!
10 comentários:
eu fico imaginando o impacto. nunca o vi pessoalmente, mas respiro baixinho até quando leio sobre ele, quando escuto um disco, quando vejo uma gravação na tv. se estivesse no meio ambiente, era capaz de deixar de ser, só pra sobrar mais espaço pra ele ;)
no mesmo* corretor maluco
com vc sendo assim fã e depois do comentário da Luciana, melhor eu não falar nada.
pq por mim eu dava uns tapas nele.
a minha experiência é - comprar ingresso para o show no coliseu do porto. ele não aparecer pq não estava bem. transferirem para outra data. então, não pego o ingresso de volta. nova data e novo cancelamento.. transferem. na terceira vez, kd? aí, mandei às favas.
Logico que tendo vc e a Lu de fãs ele não se importa de perder o meu interesse.
eheheheheheh
NB - e antes que eu me esqueça - kd o livro, Beth? rs
Claudio, sei que é um saco a gente comprar ingressos para um show e o show ser cancelado. É ruim pra quem comprou e péssimo pro produtor.
No caso do João, ele sofre de sindrome do pânico. Tem crises terríveis, que o impedem até a levantar da cama.
Os produtores todos querem fazer show com ele, no mundo inteiro, e ele fica cada vez mais impossibilitado e recluso. Conheço gente que marcou a apresentação, começou a botar midia no ar e vender ingressos e ele nem tinha confirmado. O empresário é que tinha...
Ele ficou com má fama, mas no fim a culpa nem era dele, entende?
Lu, eu tambem sou assim com ele, só com ele.
e olha que já fiz tanto show, com tantos artistas conhecidos, até o tom jobim... mas nenhum mais me deixa tão reverente como o joão gilberto.
porque pra mim ele é um ser superior.
não sei explicar...
Amei tanto o comentário da Lu: deixar de ser pra dar mais espaço pra ele. As notícias que já tive de João sempre me passaram a imagem de alguém que sofre um bocado por causa de alguma doença séria. Não deve ser fácil ter tanta dificuldade pra fazer o que se ama e pelo qual se é reconhecido no mundo inteiro.
Adorei a história dele com Ivan.
Beth, é um dos que mais amo, também. Tive a oportunidade de ouvi-lo no teatro Santa Izabel, em Recife. Na ocasião Mario , meu marido, que tinha acabado de chegar no Brasil para morar, foi junto comigo. Para ele , também , como você , João Gilberto é o melhor. Ele só fica triste porque diz que é muito difícil tocar as músicas dele no vilolão. Sobre o show foi uma pérola, mas devo dizer que ele fez uma pequena pausa porque disse que tinha alguém fumando nos bastidores e solicitou o mesmo de ir fumar fora do teatro.
E numa outra ocasião, a última vez que o vi ao vivo , foi no teatro do Centro de Convenções e ele simplesmente interrompeu o show por conta do ar condicionado. É verdade que ele pediu que desligassem, mas a produção do teatro não acatou e ele abandonou o palco. Mas, sinceramente , não consigo deixar de adorar ouvi-lo tocar.
Beth, que história maravilhosa. Mais uma. E seu jeito de contar consegue deixar ainda melhor. Já falei isso mas não canso de repetir: é um absurdo você não ter escrito um livro ainda. Sinceramente, viu? Vou me aliar ao Cláudio e começar uma campanha séria.
Não sabia que ele tinha síndrome do pânico. :( que sofrimento pra um artista.
No livro do Paulo César de Araújo, "O Réu e o Rei", tem umas histórias com João Gilberto parecidas com essa sua.... ele ligava de orelhão, botando ficha atrás de ficha.... outro João aparece nesses casos aí.
Postar um comentário