Luiz Gonzaga é a cara do
Nordeste, principalmente nessa época de São João. Não quero falar aqui da
importância dele pra musica brasileira, nem o quanto influenciou outros
compositores, nem mesmo sobre o imenso resgate da cultura nordestina que ele
possibilitou com sua figura, vestido de vaqueiro, de chapéu e sanfona branca.
Isso todo mundo sabe.
Quero contar meu primeiro
encontro com ele, quando conheci o velho Januário, que não tocava mais a sua
sanfona de oito baixos e o resto de sua família. Até dormi na sua casa em Exu! Tudo começou
assim:
--
Luiz Gonzaga foi um
superstar da época do rádio, mas em 68 sumiu dos noticiários, a garotada só queria saber da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do rock e do Tropicalismo. Nada de sanfona, ele era uma figura do passado.
Aí um dia, em seu primeiro
número, a revista Veja saiu com uma noticia que deu muito o que falar: The Beatles traduziu Asa Branca para o inglês e incluiu a música no LP que ainda ia ser lançado (conhecido como Álbum Branco). A música teria recebido o nome de Blackbird. (hahaha).
A novidade tinha
sido revelada pelo apresentador Carlos Imperial em seu programa na TV Rio. E como era difícil o acesso aos músicos fora do Brasil, a noticia não conseguiu ser comprovada e só atiçou a imprensa. Luiz Gonzaga deu muita entrevista, recebeu convites para show e aparições na TV. Estava todo feliz. Só se falava nisso.
O jornal que
eu trabalhava (Jornal do Brasil) me mandou ir até Gonzaga e saber que história
era aquela com os Beatles. Deixar ele bem à vontade para contar tudo. Então fui de
carro com um fotógrafo (que não consigo lembrar quem era), pra Exu, no Sertão
pernambucano. Exu fica embaixo da Serra do Araripe, na divisa com o Ceará. Lá
Gonzaga nasceu e morava.
A casa era enorme, dentro
de uma fazenda, com bois e cabras, galinhas e muitos alojamentos de trabalhadores. Do
lado da casa grande tinha um tipo de pousada, para receber os hospedes. Ali
ficamos. E mais na frente, depois de um pé de oiti, ficava a casa do pai de Luiz, o seu Januário, que já
não tocava a sua sanfona de oito baixos. Nessa dia almoçamos com a família - Luiz, sua mulher, seu Januário, e o gerente da propriedade. A comida era uma delicia: carne de sol,
farofa, manteiga de garrafa, salada e suco de cajá. A tradicional comida dos
sertanejos. Conversamos e conversamos e conversamos noite adentro.
Seu Luiz contou que a história dos Beatles tinha sido uma invenção de Carlos Imperial, com a nobre finalidade de resgatar
o seu prestígio perante um público que o desprezava. Ele achou que era tudo verdade. Depois da enorme
repercussão na imprensa, a mentira saiu fora de controle e Carlos Imperial ficou
preocupado. Foi então que contou tudo ao Gonzaga, mas ele não quis nem ouvir. “Eu
só tinha que agradecer a ele e aproveitar a maré. Sei que foi cascata, mas foi bom
demais pra mim. Ganhei dinheiro, ganhei programa, dei entrevistas”.
Luiz Gonzaga voltou à mídia depois disso,
com a ajuda dos tropicalistas, mas, segundo ele, aquela historia o deixou bem
pensativo. Ele não tinha mais certeza de quais musicas, entre as muitas que
compôs, eram realmente dele. Mesmo a Asa Branca, composta em
1947, em parceria com Humberto Teixeira. Segundo ele, essa era uma canção já popular
em Exu, sua terra. Ele e o parceiro teriam apenas
feito algumas melhorias.
ele repetiu depois essa historia pra vários jornalistas, mas na hora eu fiquei pasma...
ele repetiu depois essa historia pra vários jornalistas, mas na hora eu fiquei pasma...
- Eu cantava músicas dos
outros e os outros cantavam minhas músicas, sem preocupação com direitos
autorais. Deve haver por aí muita música que inventei, passei adiante e que
agora faz parte do folclore nordestino.
Asa Branca ficou
conhecida a partir da gravação de Luiz Gonzaga, vendeu milhões de cópias e ganhou
versões de mais 310 intérpretes em várias línguas. Menos a dos meninos de Liverpool. A história não
passava de fantasia de Carlos Imperial.
---
Na noite da véspera da
nossa partida, Gonzaga nos convidou pra ir num lugar especial. De carro pegamos
a estrada que subia a Serra do Araripe e paramos lá em cima, na divisa
dos dois estados. De um lado, estava Exu, em Pernambuco. Do outro, Juazeiro do Norte,
terra do Padim Ciço, no Ceará.
Ele parou o carro e mandou
a gente descer e olhar na direção de Exu. E lá estava uma bola amarela, enorme e
magnética. Era a Lua Cheia mais linda que eu já tinha visto.
Igual à que está agora aqui, no meu horizonte, no Planalto Central.
Essa foto, do arquivo da família, mostra Seu Januário com sua sanfoninha de oito baixos, ao lado de Dona Santana, tocando o bumbo e os filhos em volta. Luiz Gonzaga está com o triângulo. Era um dia de São João.
8 comentários:
Que história incrível! Hahahaha, tô rindo muito com o lance de Asa Branca. É que baita privilégio o seu, que luxo! <3
Muito bom o texto Beth. E que experiencia!! Bjo
Que história incrível! Eu sou louca pelo Gonzagão.
Que história incrível! Eu sou louca pelo Gonzagão.
Quem me dera ter sido a fotógrafa que te acompanhou...
Ô, Beth, que história linda. Gonzagão me emociona demais. E ele me lembra meu avô, seu Lins, que era de Palmares. Meu avô gostava de cantar as músicas dele... mas eu acho parecido. Não sei por quê. Tem um algo. Não era parecido fisicamente, mas ele lembra meu avô.
Lua cheia e carne de sol com Luiz Gonzaga.....
Que coisa mais maravilhosa.
sabe que eu ando procurando na internet essas matérias ótimas que eu fiz, mas não consigo encontrar. são de período de 68 a 75.
sei que vários jornais e revistas digitalizaram todo o seu arquivo, como o globo, por exemplo, mas não os que trabalhei, como o jornal do brasil (o melhor na época), a revista visão, a revista realidade, e as alternativas como movimento, bondinho, aqui são paulo, repórter, e outras.
queria demais encontrar...
continuo procurando...
Incrível!
Deve ser ótimo ter histórias como essa pra lembrar e pensar "eu estive lá"!
Postar um comentário