sexta-feira, 24 de junho de 2016

Eu, Gonzagão e a Lua Cheia














Luiz Gonzaga é a cara do Nordeste, principalmente nessa época de São João. Não quero falar aqui da importância dele pra musica brasileira, nem o quanto influenciou outros compositores, nem mesmo sobre o imenso resgate da cultura nordestina que ele possibilitou com sua figura, vestido de vaqueiro, de chapéu e sanfona branca. Isso todo mundo sabe.
Quero contar meu primeiro encontro com ele, quando conheci o velho Januário, que não tocava mais a sua sanfona de oito baixos e o resto de sua família.  Até dormi na sua casa em Exu! Tudo começou assim:
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Luiz Gonzaga foi um superstar da época do rádio, mas em 68 sumiu dos noticiários, a garotada só queria saber da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do rock e do Tropicalismo. Nada de sanfona, ele era uma figura do passado. 
Aí um dia, em seu primeiro número, a revista Veja saiu com uma noticia que deu muito o que falar: The Beatles traduziu Asa Branca para o inglês e incluiu a música no LP que ainda ia ser lançado (conhecido como Álbum Branco). A música teria recebido o nome de Blackbird. (hahaha).
A novidade tinha sido revelada pelo apresentador Carlos Imperial em seu programa na TV Rio. E como era difícil o acesso aos músicos fora do Brasil, a noticia não conseguiu ser comprovada e só atiçou a imprensa. Luiz Gonzaga deu muita entrevista, recebeu convites para show e aparições na TV. Estava todo feliz. Só se falava nisso.












O jornal que eu trabalhava (Jornal do Brasil) me mandou ir até Gonzaga e saber que história era aquela com os Beatles. Deixar ele bem à vontade para contar tudo. Então fui de carro com um fotógrafo (que não consigo lembrar quem era), pra Exu, no Sertão pernambucano. Exu fica embaixo da Serra do Araripe, na divisa com o Ceará. Lá Gonzaga nasceu e morava.

A casa era enorme, dentro de uma fazenda, com bois e cabras, galinhas e muitos alojamentos de trabalhadores. Do lado da casa grande tinha um tipo de pousada, para receber os hospedes. Ali ficamos. E mais na frente, depois de um pé de oiti, ficava a casa do pai de Luiz, o seu Januário, que já não tocava a sua sanfona de oito baixos. Nessa dia almoçamos com a família - Luiz, sua mulher, seu Januário, e o gerente da propriedade. A comida era uma delicia: carne de sol, farofa, manteiga de garrafa, salada e suco de cajá. A tradicional comida dos sertanejos.  Conversamos e conversamos e conversamos noite adentro.


















Seu Luiz contou que a história dos Beatles tinha sido uma invenção de Carlos Imperial, com a nobre finalidade de resgatar o seu prestígio perante um público que o desprezava. Ele achou que era tudo verdade. Depois da enorme repercussão na imprensa, a mentira saiu fora de controle e Carlos Imperial ficou preocupado. Foi então que contou tudo ao Gonzaga, mas ele não quis nem ouvir. “Eu só tinha que agradecer a ele e aproveitar a maré. Sei que foi cascata, mas foi bom demais pra mim. Ganhei dinheiro, ganhei programa, dei entrevistas”.

Luiz Gonzaga voltou à mídia depois disso, com a ajuda dos tropicalistas, mas, segundo ele, aquela historia o deixou bem pensativo. Ele não tinha mais certeza de quais musicas, entre as muitas que compôs, eram realmente dele. Mesmo a Asa Branca, composta em 1947, em parceria com Humberto Teixeira. Segundo ele, essa era uma canção já popular em Exu, sua terra. Ele e o parceiro teriam apenas feito algumas melhorias.
ele repetiu depois essa historia pra vários jornalistas, mas na hora eu fiquei pasma... 
- Eu cantava músicas dos outros e os outros cantavam minhas músicas, sem preocupação com direitos autorais. Deve haver por aí muita música que inventei, passei adiante e que agora faz parte do folclore nordestino.

Asa Branca ficou conhecida a partir da gravação de Luiz Gonzaga, vendeu milhões de cópias e ganhou versões de mais 310 intérpretes em várias línguas. Menos a dos meninos de Liverpool. A história não passava de fantasia de Carlos Imperial.

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Na noite da véspera da nossa partida, Gonzaga nos convidou pra ir num lugar especial. De carro pegamos a estrada que subia a Serra do Araripe e paramos lá em cima, na divisa dos dois estados. De um lado, estava Exu, em Pernambuco. Do outro, Juazeiro do Norte, terra do Padim Ciço, no Ceará.
Ele parou o carro e mandou a gente descer e olhar na direção de Exu. E lá estava uma bola amarela, enorme e magnética. Era a Lua Cheia mais linda que eu já tinha visto.

Igual à que está agora aqui, no meu horizonte, no Planalto Central.

















Essa foto, do arquivo da família, mostra Seu Januário com sua sanfoninha de oito baixos, ao lado de Dona Santana, tocando o bumbo e os filhos em volta. Luiz Gonzaga está com o triângulo. Era um dia de São João.

8 comentários:

Rita disse...

Que história incrível! Hahahaha, tô rindo muito com o lance de Asa Branca. É que baita privilégio o seu, que luxo! <3

Rendas Extras disse...

Muito bom o texto Beth. E que experiencia!! Bjo

Juliana disse...

Que história incrível! Eu sou louca pelo Gonzagão.

Juliana disse...

Que história incrível! Eu sou louca pelo Gonzagão.

Bel disse...

Quem me dera ter sido a fotógrafa que te acompanhou...

Renata Lins disse...

Ô, Beth, que história linda. Gonzagão me emociona demais. E ele me lembra meu avô, seu Lins, que era de Palmares. Meu avô gostava de cantar as músicas dele... mas eu acho parecido. Não sei por quê. Tem um algo. Não era parecido fisicamente, mas ele lembra meu avô.
Lua cheia e carne de sol com Luiz Gonzaga.....
Que coisa mais maravilhosa.

BethS disse...

sabe que eu ando procurando na internet essas matérias ótimas que eu fiz, mas não consigo encontrar. são de período de 68 a 75.
sei que vários jornais e revistas digitalizaram todo o seu arquivo, como o globo, por exemplo, mas não os que trabalhei, como o jornal do brasil (o melhor na época), a revista visão, a revista realidade, e as alternativas como movimento, bondinho, aqui são paulo, repórter, e outras.
queria demais encontrar...
continuo procurando...

Barbara disse...

Incrível!
Deve ser ótimo ter histórias como essa pra lembrar e pensar "eu estive lá"!