Vinicius
de Morais tem um poema lindo sobre a pátria, que ele escreveu em 1949 e que é
perfeito para o dia de hoje.
Patria Minha foi
escrito em 1949, com apenas 50 exemplares impressos artesanalmente naquele
mesmo ano, na editora caseira e particular de João Cabral de Melo Neto, conhecida
com o nome de O Livro Inconsúntil.
O livro
foi uma surpresa para Vinicius, com quem Cabral deixou todos os exemplares. Em
uma carta escrita em outubro de 1949, o poeta-editor pernambucano diz em um p.s. para seu
amigo carioca: “Não distribuí o livro a ninguém. Faça-o a vontade. E me mande
um com dedicatória”.
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O poema:
"A minha pátria é como se
não fosse, é íntima
Doçura e vontade de
chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso,
no exílio
Assistindo dormir meu
filho
Choro de saudades de minha
pátria.
Se me perguntarem o que é
a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a
minha pátria
Mas sei que a minha pátria
é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem
a minha mágoa
Em longas lágrimas
amargas.
Vontade de beijar os olhos
de minha pátria,
De niná-la, de passar-lhe
a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores
do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha
pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto,
pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que
nasci do vento
Eu que não vou e não
venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do
tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e
o pensamento
Eu fio invisível no espaço
de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim
como um gemido
De flor; tenho-te como um
amor morrido
A quem se jurou; tenho-te
como uma fé
Sem dogma; tenho-te em
tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com
lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha,
lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser
infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de
Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam
parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a
Cruz do Sul
Que eu sabia, mas
amanheceu...
Fonte de mel, bicho
triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve,
salve!
Que mais doce esperança
acorrentada
O não poder dizer-te:
aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria
minha, e para
Rever-te me esqueci de
tudo
Fui cego, estropiado,
surdo, mudo
Vi minha humilde morte
cara a cara
Rasguei poemas, mulheres,
horizontes
Fiquei simples, sem
fontes.
Pátria minha... A minha
pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria
é desolação
De caminhos, a minha
pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha
pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida
a minha pátria tem
Uma quentura, um querer
bem, um bem
Um libertas quae sera
tamen
Que um dia traduzi num
exame escrito:
"Liberta que serás
também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e
escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos
e te alisa
Pátria minha, e perfuma o
teu chão...
Que vontade me vem de
adormecer-me
Entre teus doces montes,
pátria minha
Atento à fome em tuas
entranhas
E ao batuque em teu
coração.
Não te direi o nome,
pátria minha
Teu nome é pátria amada, é
patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma
filha, que és
Uma ilha de ternura: a
Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga
cotovia
E pedirei que peça ao
rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este
avigrama:
"Pátria minha,
saudades de quem te ama…
Vinicius...
Um comentário:
Arrepiante!
Por que amo a minha pátria? Eu também não sei.
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