terça-feira, 31 de maio de 2016

Tesouros de Infância

























Hoje vi uns posts no facebook listando o patrimônio que cada um tinha aos sete anos. Achei bem engraçado, mas não quis escrever lá. E eu me lembro muito bem dessa idade: foi quando a minha vó amada morreu. Eu era a mais velha de quatro filhas, uma menina sonhadora, que passou duas férias doente com pneumonia, sem poder ir à praia com as outras crianças, desenvolvendo por isso uma solidão avassaladora. Sentimento que acabou fazendo parte do meu ser. Usava óculos, gostava de ler e escrever e tinha um mundo privadíssimo, onde ninguém entrava, com a exceção de minha avó. Foi um ano bom, apesar de tudo.

Esse era o inventário de meu patrimônio pessoal:
1.  uma casa em cima da mangueira do quintal, feita com tábuas de madeira, com porta, janela e uma escada de corda pra subir até lá. Era pequena e tosca, mas ali eu passava muito tempo, de onde via de cima o telhado da casa e os galhos mais altos, alguns até com mangas em época de safra. Eu subia e recolhia a escada, assim ficava sozinha, onde escrevia, lia e sobretudo olhava pro céu e pensava.

2.  um triciclo velho e com os pneus sempre furados. Tinha ele desde meus 3 anos e, à medida que crescia, fui deixando pra lá e minhas irmãs tomaram conta. Mas era meu.

3. três cristais hialinos (brancos) compridos, grandes, acho que vieram de algum lustre antigo. Foi a minha avó que me deu no dia de meu aniversário. Ela pendurou os três na janela do meu quarto, presos com um cordão, e o sol fazia arco íris sobre a minha cama. Fui acordada assim. E o presente eram as cores tremulas e cintilantes dos arco íris.

4.  livros, livros, livros. Da biblioteca do meu pai, mas também revistas compradas nas bancas, me lembro demais de uma de nome ‘Pirlimpimpim”, com histórias de fantasias, dragões e princesas e lutas de espadas.

5.  uma boneca de papel colorido, daquelas que a gente podia trocar de roupa, e mais um guarda roupa completo pra ela – saias, blusas, vestidos, shorts, calças, sapatinhos minúsculos e até um chapéu. Era francesa. E de tanto vestir e tirar, os pedacinhos de papel das roupas, que a gente dobrava pra encaixar no corpo dela, foram se rasgando e o fim dessa boneca, que nem lembro o nome, foi ser colada nas paredes da minha casa na arvore.

6.  dois carreteis de linha dourada, meu tesouro máximo, acompanhados de agulhas e um dedal de metal imitando prata. Além de uma tesoura bem pequena em formato de pássaro. Isso tudo dentro de uma bolsa de chita colorida, fechada com botões. Nunca tive coragem de usar esse fio de ouro. Também foi presente de minha avó.

7.  um baton vermelho, da marca Coty. Esse eu roubei das coisas de minha mãe mas também nunca usei.

8.  um broche em forma de dois tamancos holandeses, presos por um alfinete, que faziam um barulho de sino quando a gente andava.

9.  vários tubinhos coloridos de tinta aquarela, além de dois pinceis e uma palheta, tudo ressecado, que foram do meu avô. Ela era pintor e aquela era única lembrança dele. Ele me deu, mas nunca usei.

10. um pequeno relógio oval, com numeração em algarismos romanos e ponteiro azul escuro. A pulseira era de couro também azul escuro. Eu achava tão lindo, tão lindo, e tinha muito orgulho de usar. Um dia ele desapareceu das minhas coisas e eu chorei pra caramba. Uma grande perda.

11. um pedaço grande renda de trama complicada, e dez botões de madrepérola, redondos e quadrados. Ainda tenho a maioria desse botões, mas não a renda, que virou um lindo remendo numa camiseta e se perdeu no tempo.

12. uma lata grande de biscoitos, quadrada e vazia, onde eu guardava quase todos esses tesouros. A caixa era tampada e escondida dentro da casa na árvore, mas um dia a irmã mais nova encontrou e fui obrigada e produzir outro esconderijo. A maior parte do tempo ela ficava enterrada no quintal, num enorme bunker que cavei embaixo do pé de dendê que tinha no quintal. Pra brincar com eles, eu precisava esperar que ninguém estivesse olhando pra tirar a caixa do buraco. A tampa do buraco era uma pedra grande, que disfarçava muito bem.

13.  acho que tive um cachorro também, mas não lembro. Em todo caso, era de todo mundo, não era meu.

Acho que foi uma infância boa, bem apertada de grana, mas feliz. Eu ainda fazia um jornal, escrito de lápis em folhas de caderno, com desenhos ou colagens de recortes de revista, onde dava informações sobre as coisas interessantes que andava lendo, além de contar as fofocas da família. Nos dias em que tios e primos se reuniam eu era chamada pra ler os meus jornais. Odiava isso. Queria mesmo ficar sozinha...

O nome do jornal ainda lembro: “Mural Engraçadinho”.
hahaha


5 comentários:

Luciana Nepomuceno disse...

eu admiro a capacidade de vocês de lembrar de tanta coisa

e achei tão bom trazer a conversa pros blogs, né. fica mais próximo e dá um quentinho bom no peito.

achei linda sua memória.

BethS disse...

tem coisas que me lembro com detalhes, lu.
até os cheiros.
sete anos foi importante pra mim,por tantas coisas...

Unknown disse...

Eu não poderia ter lido nada melhor para começar meu dia. Que linnnndo! Passei o texto inteiro sorrindo e adorando tudo. Queria muuuuito ter sentido mais de perto a sensibilidade da tua avó. Lindo. Lindo. Lindo. <3

Renata Lins disse...

achei tudo lindo também. uma casa na árvore, uau. e a avó. que delícia.
sete anos: na astrologia, uma idade importante - a primeira quadratura de saturno, quando a gente descobre que rapadura é doce mas não é mole não.
Beijo.
Obrigada.

BethS disse...

minha avo foi e ainda é a pessoa mais importante da minha vida.
hoje eu sou avó, e tento ter com as netas a sensibilidade dela, o mundo mágico que ela criava pra gente não sentir tanto a falta da mãe, morta alguns anos antes.
tomara que eu consiga...